sábado, 19 de junho de 2010

A Jabulani e a evolução do jogo.

Temos visto na Copa do Mundo algumas falhas de goleiros. Alguns perus, alguns erros, mas algumas traições da bola com os goleiros. Muitas “batidas-de-roupa”.
O goleiro é basicamente um coitado. Dificilmente vai ser herói. Se erra, é fatal. Se acerta, está apenas cumprindo o seu dever. Só quando seu time foi suficientemente incompetente para não ganhar o jogo é que pode dar a alegria maior à sua torcida, quando defende o último pênalti da disputa. Ainda assim divide a glória com o atacante que errou. Onde ele pisa, não nasce grama. E agora tem a bola, para atrapalhar só mais um pouquinho.
Vida difícil essa. Mas não estamos aqui para defender ou falar dos goleiros. Estamos aqui para falar da evolução da bola e do jogo.
No jogo de hoje cedo, Holanda contra Japão, em uma bola aparentemente defensável aconteceu o gol da Holanda. Aparentemente defensável. Alguns dirão peru, outros erro, outros, como eu, creditarão parte do gol para a bola. O comentarista da SporTV, Carlos Eduardo Lino, disse “Se foi com a ajuda da bola, obrigado Jabulani. Ela vai ter ajudado a dar um pouco mais de emoção ao jogo!”, ou algo parecido.
É sobre esse tipo de comentário que eu queria opinar.
Não! A bola ajudar a acontecer mais gols não é uma forma de dar mais emoção ao jogo! A emoção do jogo não está no gol, mas na expectativa de fazê-lo. Se a emoção estivesse no gol, era só aumentar a distância entre as traves laterais, ou aumentar a altura do travessão. A bola ajudar a acontecer mais gols vai prejudicar o jogo. Veja o porquê:
Eu sou técnico de um time ruim. Sei que o gol sai com mais facilidade com a nova bola, o que vou fazer? Retranca e contra-ataque com chutes de longe. A bola viaja em sua própria turbulência e gol para o meu time. Retranca de novo e seguro o resultado. Um a zero pra nós. Nem a preocupação que existe hoje, em “encaixar” o contra-ataque pra chegar em condições de boa finalização vai ser preciso. Só é preciso chegar à intermediária com a bola no pé de um cara que chute forte. Bum! Do “meio-da-rua” e gol. Estamos privilegiando o mau futebol.
Todos gostamos de ver um time que jogue bem, que arme bem suas jogadas, contra-ataques, toque a bola com agressividade, “verticalmente” como dizem uns. Ao permitir que os gols saiam com mais facilidade, eu diminuo a diferença entre quem sabe trabalhar bem a bola pra chegar ao gol e aqueles que não sabem trabalhar essa bola. Os gols acontecem com mais facilidade, é mais fácil fazer gols, então a diferença de valor entre os que fazem gols com mais facilidade e os que os fazem com menos facilidade diminui. Com isso, eu privilegio a defesa. Isso mesmo, acontecendo mais gols, a defesa vai ser mais treinada e executada pelos times. Quer ver? Acompanhe comigo:
Qual é esporte coletivo, parecido com o futebol, em que os pontos (gols) acontecem com freqüência e o ataque é privilegiado?
Basquete? Não! Nas finais da NBA só se escuta: Defense, defense, defense...
No Handebol? Não! Atacam todos e voltam todos. Comemora-se mais a defesa de um goleiro do que o gol de um atacante. O goleiro sai em “X”, defende a bola com o pé direito perto do ângulo e toda a torcida começa a berrar e urrar: “Bemmmmm...”.
No Rugby? Não! Todos atacam, sempre pra trás da linha da bola e todos defendem, com força.
No Futebol Americano? Não! A defesa é sempre com mais jogadores que o ataque. Dois ou três correm e atacam e um, o que lança, é defendido por todos os outros. No máximo um pega a bola com esse que lançaria e corre uns metrinhos. Todos do outro time defendem.
No futebol de salão? Não! Todos atacam e todos defendem. Até contra-ataque é difícil de vermos. A bola rola de lá pra cá, de cá pra lá, e de lá pra cá de novo, até surgir uma brecha pra bomba. Raros contra-ataques. A defesa está sempre feita por todos os jogadores do time.
Até no Vôlei, que parece mais com Tênis do que com futebol a defesa é privilegiada.
O futebol é, me arrisco a dizer, o único esporte do seu “estilo” em que alguns jogadores só atacam. É no futebol que a torcida quer sempre o ataque. É no futebol em que existem jogadores que ficam sempre em campo e que são especializados apenas em atacar, não sabem defender. É o futebol o esporte em que o ataque é privilegiado.
E qual é o motivo?
É porque é difícil marca ponto. Fazer o gol é difícil e se você não atacar bem, dificilmente marca.
Fazendo com que a bola ajude no acontecimento do gol, estaremos privilegiando as defesas, não os ataques. Faremos com que mais e mais a defesa seja fundamental, afinal, se defendermos melhor e não tomarmos gol, temos chances maiores de ganhar, já que marcar um gol lá na frente é mais fácil.
É por essas e outra que eu digo não à Jabulani e a outras bolas que não tenham direção definida na hora do chute.
Uma bola de curva no ângulo, batida com perfeição, vai ser sempre linda e praticamente indefensável, com a nova bola, uma bomba de olho fechado no meio do gol pode ser tão indefensável quanto. É isso que você quer? Você que ver seu time atacar rápido e entrar na área fazendo uma tabela e driblando o goleiro antes de tocar a bola pro fundo do gol ou quer vê-lo chutar de qualquer jeito de fora da área, afinal, pra quê correr o risco de perder a bola na tabela ou no drible, se ao chutar lá de fora de qualquer jeito as chances do gol acontecer são as mesmas? Com a Jabulani, não haveria o “folha-seca”. A “patada-atômica” não seria privilégio de uns, ou de um, mas de vários. Marcelinho Carioca não seria tão especial pros curintianos e nem Rogério Ceni pros São-paulinos. Pepe, existiriam vários, afinal chutar forte muitos chutam, chutar forte e nos cantinhos do gol, pouquíssimos sabem. Aquele três dedos de Nelinho não seriam essenciais. Talvez tivéssemos mais de um cidadão do mundo com mais de 1300 gols e provavelmente o segundo, o terceiro e o quarto a conseguir não teriam o futebol de Pelé.
É isso que você quer?
Pros que gostam do futebol-arte, privilegiem o ataque, fazendo com que o gol continue difícil. Pros que gostam do futebol-força, lembrem-se, só se defende bonito contra quem ataca bonito.
É a expectativa de fazer o gol em razão da dificuldade de fazê-lo que torna o futebol tão emocionante, não o gol em si.
Diga não à Jabulani e privilegie o bom futebol.
Abraços.

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